Mértola, um passado encruzilhado de culturas
Mértola Muçulmana
Portugal encontra-se dotado de imponentes lugares com histórias que reservam memórias para desvendar. Um deles é Mértola, dotada de uma bela história a visitar, explorar e encantar.
Mértola, à época cidade e atualmente vila do concelho de Beja, foi um dos territórios que integrara o Garb-Al-Andaluz, constituindo uma importante cidade fortificada, e legou uma vasta herança muçulmana, pois esteve sob o domínio dos muçulmanos durante vários séculos até ser reconquistada pelos cristãos em 1238. Intitulada vila museu, Mértola, é considerada um museu a céu aberto uma vez que em vários locais foram encontrados vestígios de diferentes culturas, romana, muçulmana e cristã, o que a torna um território riquíssimo com uma importante herança e diversidade cultural. Dotada de um vastíssimo legado muçulmano, Mértola, revela-se um território preponderante para estudar a presença muçulmana na Península Ibérica, sendo possível ao visitá-la contactar com esse legado imaterial e material e projetar-se para a época muçulmana.

Visita a Mértola
Ao visitar Mértola pode explorar essencialmente 6 lugares com uma forte herança muçulmana.
- Castelo (Antigo Alcácer muçulmano - No seu interior pode ser visitada uma exposição)
- Alcáçova do Castelo (ao lado do castelo - vestígios arqueológicos do antigo Bairro habitacional)
- Reconstituição da Casa Muçulmana (junto à alcáçova pode ser visitada a reconstituição de uma casa muçulmana existente no bairro)
- Atual Igreja Matriz (Antiga Mesquita)
- Hotel Museu (Constitui um alojamento que preservou alguns vestígios arqueológicos encontrados)
- Museu de Arte islâmica (Em exposição vários vestígios materiais encontrados, nomeadamente, no bairro da alcáçova)

História de Mértola durante o período muçulmano
A história de Mértola Muçulmana começa, essencialmente, no seguimento da batalha de Guadalete, quando esta vila é conquistada, ficando um longo período, cerca de cinco séculos, sob o domínio muçulmano. Assim passou a designar-se Märtulah e durante vários séculos fizera ''parte de um espaço político e social culturalmente integrado na civilização do Islão medieval''(1). A história de Mértola - Märtulah- durante esse período pode ser distinguida em quatro fases:
Num primeiro momento, do século VIII-X, a cidade estava ligada à cidade de Beja, constituindo um espaço politica, administrativamente e economicamente controlado por essa cidade (2) , depois assumiu alguma independência no século XI, porém, rapidamente se submeteu ao poder almorávida e, em 1144, no segundo período de reinos taifas, tornara-se uma taifa independente de Ibn Quasi e, por fim, perdeu a independência ficando sob domínio almóada até ser reconquistada pelos cristãos em 1238.
Mértola tinha uma importante função dada a sua localização estratégica, pois encontrava-se sobre o rio Guadiana, que era navegável e permitia a circulação de pessoas e mercadorias, sendo o último porto do mediterrâneo ocidental desde o período romano, o que também foi uma vantagem valorizada no período muçulmano. Importa referir que Mértola beneficiou de um maior protagonismo durante o período dos almóadas, sendo deste período que se registam os maiores vestígios arqueológicos encontrados. Neste sentido, como já fora referido anteriormente, Mértola constitui um dos territórios portugueses com uma vasta herança muçulmana que tem sido objeto de investigação, essencialmente, pelo campo arqueológico de Mértola. Essas investigações contribuíram para a musealização do território com a criação de vários núcleos museológicos que preservam os vestígios muçulmanos e promovem um melhor conhecimento sobre a história local desta vila. Ademais, interessa referir que a valorização da cultura muçulmana e o respeito pela diversidade cultural preservou-se até à atualidade, realizando-se, anualmente, um festival islâmico onde são apresentados vários elementos da cultura muçulmana como artesanato, doçaria, produtos regionais, entre outros, provenientes de várias localidades muçulmanas como Marrocos, Tunísia, Egipto, Espanha e do Alentejo e, de igual modo, realizam-se espetáculos musicais (3) .
Topografia de Mértola islâmica
As escavações arqueológicas realizadas permitiram desenhar a topografia da cidade muçulmana de Mértola e identificar o património histórico herdado desse período. Em primeiro, deve-se fazer uma marcação intramuros e extramuros: Intramuros, no interior da cidade, centrava-se o poder político e religioso, encontrando-se o alcácer, o bairro da alcáçova e a mesquita e nos extramuros, fora da cidade, localizava-se o arrabalde e a necrópole.
Em resumo, a cidade muçulmana à época caracterizava-se por ''um alcácer no alto de tudo, uma muralha envolvendo sete hectares intra-muros, dois mil habitantes. No extremo norte situava-se o espaço religioso. Fora de portas e ao longo do caminho para Beja ficava a necrópole. Para nordeste, e mais perto do rio, existiu um arrabalde, habitado até à segunda metade do século XII'' (4) .
Para uma melhor compreensão desta topografia, apresenta-se, em seguida, especificamente cada vestígio muçulmano, que pode ser visitado e explorado.
Alcácer
O poder político de Mértola localizava-se na acrópole entre o alcácer e o bairro (5) . Alcácer, a fortificação islâmica, localizava-se no ponto mais alto da cidade onde atualmente se encontra o castelo, porém, refira-se que o atual castelo foi erguido no seguimento da reconquista do território, em 1238, sendo, por isso, uma edificação cristã distinta do que seria, à época muçulmana, o alcácer. Por outras palavras, no lugar onde outrora existiu o alcácer fora edificado um castelo pelos cristãos após a reconquista da cidade. Esta fortificação possibilitava o controlo da circulação e movimento que se processava pelo rio e, de igual modo, o que se realizava em direção a Norte. As investigações não concluem a data concreta de reconstrução da fortaleza muçulmana, apontando, alguns para o século IX e outros para uma época mais tardia (século XI) (6). Apesar das incertezas, a verdade é que no interior do atual castelo, encontraram-se restos de uma habitação que terão sido abandonados no período almorávida que dataria entre o século X e XI. Nesta fortificação, em 1171 o califa almóada Abu Ya'qub Yusuf realizara uma importante campanha de obras, da qual resulta uma dupla entrada em cotovelo que ainda hoje persiste (7) . No exterior existira, mais tarde, uma zona habitacional, designada ''bairro da alcáçova''.
Alcáçova
Ao lado do alcáçer, encontrava-se a área habitacional muçulmana do período almóada. Este bairro fora construído por volta da segunda metade do século XII sobre as ruinas de um edifício paleocristão, pois terá sido edificado por cima de um fórum romano, encontrando-se, por baixo, um criptopórtico do período romano, que está aberto ao público. Este bairro era constituído por 20 habitações, albergava as populações autóctones e estaria servido por uma rede de esgotos que vertiam para o exterior das muralhas ou para fossas individuais abertas nas ruas. Após a reconquista da cidade em 1238, o bairro foi destruído e transformado em cemitério cristão. Neste bairro, as investigações arqueológicas descobriram cerca de 17 habitações e importantes objetos muçulmanos, porém, até ao momento, desconhecem-se estruturas habitacionais que possam ser datadas dos primeiros séculos de islamização, ou seja, precedentes da época almóada (8) .
Casa Muçulmana
No bairro da alcáçova, as investigações arqueológicas encontraram cerca de 17 habitações muçulmanas, o que possibilitou o reconhecimento da sua caracterização. A casa muçulmana correspondia ao modelo clássico mediterrâneo, só tinham um piso e eram espaços essencialmente fechados com poucas aberturas ao exterior, procurando preservar-se a intimidade dos moradores (9), sendo que o interior da casa era considerado o espaço principal da mulher e era o local de oficinas domésticas. Estas casas eram constituídas por um pátio no centro aberto ao exterior, uma cozinha, as áreas de armazenamento, a latrina e o salão principal.



Mesquita
A oriente do bairro da alcáçova localizava-se, o espaço religioso, a mesquita almóada, construída na segunda metade do século XII, atual igreja cristã de Nossa Senhora da Anunciação ou Igreja Matriz de Mértola. Da mesquita conservou-se o mirab, peça única de arte islâmica, fixado numa parede da mesquita, posicionado voltado para Meca, em frente ao qual se coloca o imã (autoridade religiosa) (10) .
Necrópole
Fora dos muros, localizava-se o cemitério islâmico (maqbara) no terreno onde se encontrara outrora a basílica da antiguidade tardia, no Rossio do Carmo entre os séculos VIII e XIII. Seriam cerca de 2hectares que se estendia das muralhas de cidade ao extremo norte do Rossio do Carmo. Os arqueólogos encontraram neste local seis lápides funerárias islâmicas.
Arrabalde
Existia também um arrabalde onde se localizava outro bairro habitacional datado
do século XII contemporâneo do bairro da Alcáçova do Castelo, e anterior à data de
conquista da cidade, onde se encontraram vestígios de três casas. Embora semelhante às estruturas da alcáçova, este bairro seria piscatório e
acredita-se que terá sido habitado por populações autóctones, porém desconhece-se de
quem se tratava. Os investigadores questionam se seria uma comunidade cristã que
habitava numa cidade muçulmana do século XII, ou o reflexo da crescente presença de
comerciantes cristãos nos portos das cidades do Garb-al-Andaluz ou uma família
moçárabe que vivia neste bairro, pois foi encontrada numa pedra de soleira quatro cruzes
gravadas, o que levou a ideia de cristianização do espaço.
Interessa, ainda referir, a título de curiosidade, que como os vestígios do espaço
foram encontrados no seguimento das construções de alargamento de uma unidade
hoteleira, os arqueológos tiveram de dialogar com o proprietário, que consciente da sua
importância, concordou com a instalação de um núcleo museológico no hotel, tendo este
ficado designado Hotel Museu (11). Este é atualmente um alojamento e preserva no seu
interior vestígios históricos desse arrabalde, o que demonstra um importante exemplo de
preservação e respeito pelo património histórico.
Vestígios materiais muçulmanos
Naturalmente, no decorrer das várias investigações arqueológicas ao longo dos
anos, foram encontrados vários objetos muçulmanos, essencialmente, no bairro da
alcáçova, no interior das estruturas habitacionais, o que permitiu constituir um imponente
espólio que se encontra disponível fisicamente no núcleo museológico de arte islâmica
em Mértola e digitalmente no site do Museu (12) .
Alguns dos objetos encontrados integravam o quotidiano dos habitantes desta vila,
sendo de uso pessoal (brincos e anéis) e de uso doméstico, destinados a atividades
diárias da casa ou artesanais (agulhas, dedais, martelos e picadeiras e tesouras) ,
armamento (pontas de flecha e pontas de lança) , objetos cerâmicos (tigelas, potes) e,
ainda, lúdicos (tabuleiros de jogo de xisto e dados de osso) (13) . Assim, constitui-se uma importante herança material dessa época, que permite reconstruir o modo de vida desta
cultura e traçar o que seria o seu quotidiano e as suas atividades profissionais e de lazer.
Assim, pode encontrar-se expostos e para explorar no museu de arte islâmica vários destes
objetos como tigelas, jarros, potes, cântaras, Candis, fogareiros, facas, brincos, lápides,
entre outros44, reconhecendo-se a possibilidade de aumentar este espólio no seguimento
de novas descobertas. Destas peças destacam-se essencialmente, em grande número, as
tigelas, os potes, as cântaras e os candis com a sua sublime decoração trabalhada.
Outras informações sobre a visita a Mértola
A visita presencial a este local é imperdível, porém, o Museu de Mértola dispõe da possibilidade de realizar uma pequena visita virtual à vila através do link https://360.museudemertola.pt/ e de consultar online o seu espólio material. Através do site https://www.museudemertola.pt/inventario/ podem ser c0nsultados os diversos vestígios encontrados e que estão em exposição no Museu de arte islâmica.
O Museu de Mértola dispõe, também, da possibilidade de agendar visitas guiadas. Para mais informações aceder museudemertola.pt
NOTAS:
1. MACIAS, Santiago; TORRES, Cláudio, Museu de Mértola. Arte islâmica. Mértola, Campo
Arqueológico de Mértola, 2002, p. 25.
2. MACIAS, Santiago; TORRES, Cláudio, Museu de Mértola. Arte islâmica. Mértola, Campo
Arqueológico de Mértola, 2002, p. 28.
3. Para mais informações sobre o festival islâmico aceder ao link https://www.festivalislamicodemertola.com/sobre-o-festival-islamico-de-mertola/
4. Macias, Santiagos, Catálogo de exposição - Mértola. O último porto do Mediterrâneo, Campo Arqueológico de Mértola.
5. MACIAS, Santiago; TORRES, Cláudio, Museu de Mértola. Arte islâmica. Mértola, Campo Arqueológico de Mértola, 2002, p. 46.
6. MACIAS, Santiago; TORRES, Cláudio, Museu de Mértola. Arte islâmica. Mértola, Campo
Arqueológico de Mértola, 2002, p. 46.
7. https://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=1045 consultado a 29/01/2022 ver em anexo figura 9.
8. MACIAS, Santiago; TORRES, Cláudio, Museu de Mértola. Arte islâmica. Mértola, Campo Arqueológico de Mértola, 2002, p. 47.
9. MACIAS, Santiago; TORRES, Cláudio, Museu de Mértola. Arte islâmica. Mértola, Campo Arqueológico de Mértola, 2002, p. 48.
10. "Mirabe", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. https://dicionario.priberam.org/mirabe.
11. Ver em anexo figura 20. Site do Hotel https://www.hotelmuseu.com/ consultado a 29/01/2022
12. https://www.museudemertola.pt/nucleos-exposicao/arte-islamica/ e ver com maior detalhe no site https://www.museudemertola.pt/inventario/ consultado a 29/01/2022.
13. MACIAS, Santiago; TORRES, Cláudio, Museu de Mértola. Arte islâmica. Mértola, Campo
Arqueológico de Mértola, 2002, p. 79.